8/12/2007

...e a tarde acabava.

Ela estava feliz, sorridente como sempre, mas desta vez o seu sorriso era verdadeiro. Talvez porque não era o seu rosto que sorria, mas sim os seus olhos que funcionavam como reflectores do interior cardíaco a rebentar de bem estar.
É...sentia-se bem. Corria pela casa um ar fresco e enamoradamente não assumído que lhe provocava cada vez mais ansiedade.
Estava apaixonada, mas não queria mostrá-lo. Então escrevia no espelho embaciado, enquanto saía do banho, um nome cúmplice que lhe arrancava um sorriso. Mas depressa apagava o nome com o dedo indicador e inevitavelmente dava de caras com o tal sorriso que não saía de si.
Em cima da sua cama estava um vestido preto, com cheiro a nervosismo por querer ser visto pelo dono do tal nome e agora do seu pequeno coração.



E ele...
Bem, ele também estava feliz. Sempre sério, mas com um olhar de adolescente apaixonado que por mais que quisesse não podia evitá-lo.
Sentia-se estranho.
Nunca se tinha apaixonado antes, a não ser pela sua própria tia de vinte e três, durante os seus nove anos de vivências infantis.
Vestiu-se como sempre: calça de ganga, camisa simples, sapatilhas a condizer, e dois relógios, um em cada pulso, para marcar pela diferença.
"há quem não use nenhum e é parvo. Há quem use um e é vulgar. Eu uso dois, porque sou parvo noutras coisas e sou alérgico à vulgaridade" pensava ,enquanto olhava para as horas e via que já se atrasava para o encontro.

Combinaram encontrar-se num café longe da confusão citadina, onde um velho, probre e ignorado por todos dava um concerto à sua porta.
Quando ele chegou, já lá estava ela, sentada, de óculos escuros para poder esconder o desespero de não o ver chegar.
-Posso?
-Claro, claro. Como estás? - perguntava ela, começando a viajar a alta velocidade em direcção à Lua.

Por mais que falassem não se ouviam.
Admiravam-se com a presença um do outro, e isso era o mais importante.
Provavelmente se um perguntasse "-Que horas são?" e o outro respondesse "-Gosto de ouvir jazz enquanto leio" não dariam pela descombinação das falas...

Foi aí que se sentiram grandes. Tão grandes capazes de serem um só corpo a mover todo o mundo exterior.

Não sabiam o que era amar, mas amavam-se.
Não se sabiam sentir, mas sentiam-se.
Não sabiam que horas eram, mas leram-se um ao outro, enquanto o velho tocava jazz e a tarde acabava.

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